A histórica conquista de Luísa Stefani e Rafael Matos, que se tornaram a primeira parceria 100% brasileira a vencer um Grand Slam no tênis profissional, com o título nas duplas mistas do Australian Open é o ponto alto em duas trajetórias de sucesso no esporte nos últimos anos. Cada vez mais presente nas fases finais dos torneios de primeira linha, Stefani coroou seu retorno às quadras, enquanto Matos consolida o melhor momento de carreira.
Nunca é demais lembrar que Stefani ficou mais de um ano longe do circuito, depois de sofrer uma grave lesão no joelho durante a semifinal de duplas do US Open de 2021. Na época, a paulistana vivia uma fase espetacular, que incluía e medalha olímpica de bronze ao lado de Laura Pigossi em Tóquio, duas finais de WTA 1000 seguidas com a canadense Gabriela Dabrowski em Montréal e Cincinnati, com um título e um vice, chegara ao top 10 do ranking e fazia sua melhor campanha em Grand Slam até então.
Constatada uma lesão de ligamento cruzado, a tenista precisou de cirurgia e de um longo período de recuperação. Um ano depois, voltou ao complexo de Flushing Meadows, em Nova York, apenas para treinar e criar melhores lembranças das quadras do US Open antes de retomar a rotina de competições.
Luisa Stefani blew out her knee at the 2021 US Open. She returned to competition in September.
— WTA Insider (@WTA_insider) January 27, 2023
On return:
🏆 Chennai 250 (w/ Dabrowski)
🏆 Guadalajara 1000 (w/ Hunter)
🏆 Montevideo 125K (w/ Gammara Martins)
🏆 Adelaide 500 2 (w/ Townsend)
🏆 #AusOpen Mixed (w/ Matos) pic.twitter.com/y1bDrWik5a
Desde que voltou ao circuito, Stefani já conquistou cinco troféus, e com cinco parceiros diferentes. Logo no primeiro torneio, atuou ao lado de Dabrowski e faturou o WTA 250 de Chennai. Ainda no fim da temporada passada, comemorou seu segundo WTA 1000 em Guadalajara, tendo como parceira a australiana Storm Hunter. Ela também ganhou no saibro, formando uma dupla brasileira com a carioca Ingrid Martins no WTA 125 de Montevidéu. Já neste início de 2023, juntou-se à canhota norte-americana Taylor Townsend para ser campeã em Adelaide. Além, é claro, do feito ao lado de Matos.
Frustração por ficar sem parceira de última hora
Em Melbourne, entretanto, Stefani precisou lidar com a frustração antes de conquistar o título. Ela jogaria a chave de duplas femininas com a norte-americana Caty McNally, que se retirou da competição antes da estreia, por lesão na coxa. Ela não esconde a decepção, mas conseguiu focar 100% na disputa de duplas mistas .
"Tive um pouco de azar. Minha parceira optou por desistir na última hora. Fiquei triste, muito chateada. Não vou negar, chorei bastante, mas ao mesmo tempo sabia que estava fora do meu controle", afirmou. "Então tive a chance de reiniciar no dia seguinte com o Rafa. Estava muito empolgada com as duplas mistas, confiante desde o início e faminta para vencer, porque não tive a oportunidade de jogar em duplas regulares. Deixei a decepção de lado e botei toda essa vontade na dupla mista, porque estava super animada para jogar meu Grand Slam favorito".
Sobre seu retorno, ela refletiu: "Eu estava no melhor momento da minha carreira quando a lesão aconteceu nas semifinais. Aquela era talvez a partida mais importante da minha vida até agora, fora as Olimpíadas. Então foi um grande choque. Fiquei muito tempo afastada do tênis. Ao mesmo tempo, tentei realmente usar esse tempo com sabedoria, da melhor maneira possível. Obviamente, a reabilitação é difícil. Todo mundo diz isso. Mas acho que há muitas coisas boas que você pode aprender com isso", disse Stefani na entrevista coletiva desta sexta-feira.
"Nem todos os dias são fáceis. Com lesão ou sem lesão, passamos por muitas adversidades com nossos corpos e mentes no tênis, esporte em geral, principalmente de alto nível. Agora meu maior foco é me manter saudável, confiar no meu corpo. Eu acho que o maior problema da lesão é o trauma, e pensar no quanto o seu corpo te decepciona depois de trabalhar tanto. Você trabalha muito duro para se recuperar e continuar. É uma grande jornada".
Nascida na capital paulista, Stefani se mudou ainda adolescente para os Estados Unidos, primeiro para treinar na academia Saddlebrook na Flórida, e depois para disputar o circuito universitário norte-americano pela Pepperdine University, da Califórnia. Entre 2015 e 2018, ainda com base nos Estados Unidos, dedicou-se parcialmente ao circuito profissional da ITF. Optou por trancar a faculdade para disputar o tênis profissional integralmente a partir de meados de 2018 e teve grande sucesso.
Aos 25 anos, já acumula seis títulos em 14 finais disputadas no circuito da WTA e já recuperou quase todo o caminho no ranking, aparecendo na 34ª posição com apenas sete torneios disputados desde que voltou às quadras. Ela também já reiterou por diversas vezes o desejo de tentar o sucesso em simples, e não se pode duvidar de seu enorme potencial.
Com grande temporada, Matos assume o protagonismo nas duplas
A conquista é simbólica para o canhoto Rafael Matos. Gaúcho de 27 anos, ele assume a responsabilidade de continuar o legado do tênis brasileiro nas duplas masculinas. Na última década, os fãs da modalidade no país se acostumaram com as conquistas dos mineiros Bruno Soares, com seis Grand Slam, e Marcelo Melo, com mais dois e a liderança do ranking da modalidade. Soares encerrou sua carreira profissional no ano passado, enquanto Melo permanece na ativa aos 39 anos.
Desde que passou a se dedicar de forma exclusiva às competições de duplas, Matos não para subir no ranking e de acumular conquistas. Depois de vencer seus dois primeiros torneios da ATP em duplas com o paulista Felipe Meligeni em Córdoba e Santiago, o gaúcho deixou os torneios menores de simples de lado para ter a chance de atuar nos principais eventos do calendário como duplista. Ele fixou parceria com o espanhol David Vega Hernandez e comemorou conquistas em Marrakech, Mallorca, Bastad e Sófia. Com seis títulos de ATP, já aparece no 29º lugar do ranking, a duas posições de seu melhor ranking.
É uma conquista muito especial, ainda mais por ser ao lado de outra brasileira e uma grande amiga", disse Matos. "É um sonho de criança. Nem dá para descrever o que estou sentido. É muito gratificante e uma felicidade tremenda olhar para trás e ver o tanto que você trabalhou".
Ele também avaliou a vitória na final sobre a experiente dupla indiana de Sania Mirza e Rohan Bopanna por 7/6 (7-2) e 6/2 e comorou a oportunidade de jogar nas principais quadras em Melbourne. "Uma honra jogar contra duas lendas do tênis. Super campeões. Com toda experiência que eles têm, e mesmo assim a gente percebeu que estavam tão nervosos quanto nós", relatou, em entrevista a TenisBrasil. "Jogamos na Margaret Court nas oitavas e depois só na Rod Laver. Não dá para ficar muito melhor do que isso, só ganhando. É por momentos como esse que a gente trabalha".