Washington (EUA) - Chris Evert e Martina Navratilova se conheceram na adolescência em 1973, tornaram-se amigas, disputaram 80 partidas - 60 delas em finais – e após uma rivalidade de 15 anos, encerraram a carreira com 18 títulos de Grand Slam cada uma. Evert e Navratilova se aposentaram do jogo de simples, em 1989 e 1994, respectivamente.
Após a aposentadoria, elas seguiram cursos estranhamente semelhantes, destaca uma longa reportagem de Sally Jenkins publicada no sábado passado no jornal “Washington Post”. Elas eram vizinhas em Aspen, Colorado, e na Flórida, às vezes morando a poucos minutos uma da outra. Há muitos anos a base de Evert é Boca Raton, enquanto Navratilova tem casa em Miami Beach, bem como uma pequena fazenda no local de nascimento de Evert, Fort Lauderdale. Ambas são comentaristas de tênis e se encontram nos torneios de Grand Slam. “Nossas vidas são tão paralelas que é estranho quando você pensa sobre isso”, diz Navratilova.
Elas se tornaram o tipo de amigas que conversam e trocam mensagens de texto semanalmente, confidências no meio da noite, bricandeiras que não tolerariam de mais ninguém. As semelhanças eram engraçadas, até que deixaram de ser. Em janeiro de 2022, Evert soube que tinha câncer de ovário no estágio 1C, que exigiram seis ciclos de quimioterapia. Em dezembro de 2022, Navratilova recebeu seu próprio diagnóstico: ela tinha não um, mas dois cânceres em estágio inicial, na garganta e no seio.
As duas lendárias tenistas deram a entrevista no fim da primavera (outono no Brasil), em elegante hotel de Miami, ambas finalmente livres do câncer. Evert há apenas algumas semanas havia passado por sua quarta cirurgia em 16 meses, para reconstrução após uma mastectomia no final de janeiro. Navratilova havia acabado de terminar a última sessão de radioterapia e quimioterapia, durante o qual perdeu 11 quilos. Elas estavam prontas para contar algumas histórias com franqueza. Evert relembrou o dia em que ligou para Navratilova para contar que estava com câncer. “Ela foi uma das primeiras pessoas a quem contei”, disse.
“A amizade é indiscutivelmente o relacionamento mais totalmente voluntário” escreve Jenkins sobre continuar alimentando a relação. Evert e Navratilova continuaram encontrando motivos para manter o relacionamento. A ponto de se envolverem de forma hilária nos assuntos pessoais uma da outra. A reportagem revela que Navratilova atuou como cupido e indiretamente foi responsável por Evert e o esquiador Andy Mill se conhecerem. “Navratilova sabia que Evert estava sozinha e deprimida após o divórcio de Lloyd e convidou Evert para passar o Natal com ela em Aspen. Ela a levou para esquiar e para uma festa de Ano Novo no Hotel Jerome, onde sabia que haveria homens bonitos aos montes. Naquela noite, Evert conheceu o belo Mill, que no dia seguinte galantemente treinou Evert em uma encosta.
No final da semana, enquanto Navratilova fazia as malas para partir para o Aberto da Austrália, Evert apareceu em sua porta. “Você se importa se eu ficar por alguns dias?”, Evert perguntou. Navratilova arqueou uma sobrancelha e sorriu. "Claro", respondeu. Com a casa só para ela, Evert teve seu primeiro encontro amoroso com Mill, fazendo com que o cavalheiro exclamasse na manhã seguinte: "Meu Deus, estou com Chris Evert na cama de Martina Navratilova." O casamento de Evert com Mill em 1988 foi a rara ocasião em que Navratilova usou saia. Anos depois, Navratilova ainda estava provocando Evert: “Eu deveria ter colocado aquela cama no eBay.” Em 2014, quando Navratilova se casou com a parceira de longa data Julia Lemigova, ela não teve dúvida em escolher Evert como dama de honra.
Navratilova nunca disse a Evert o quanto significou seu apoio inabalável contra a homofobia. Especialmente em momentos cruciais como 1990, quando a australiana Margaret Court chamou Navratilova de “mau exemplo” por ser gay. “Martina é um modelo para mim”, Evert respondeu publicamente. Como disse Navratilova, Evert era “amigável com os gays antes disso ser normal”. Tornou a vida pública de Navratilova incalculavelmente mais suportável. “Foi mais do que bom, foi enorme”, definiu Navratilova sobre a postura de Evert.
Sobre a luta contra o câncer, Evert ficava sem dormir devido ao enjôo e tinha a sensação de pequenos choques elétricos em seus ossos. Ela tinha que sair da cama e andar pela casa, sozinha. “O câncer faz você se sentir sozinho”, diz Evert. “Porque é tipo, ninguém pode tirar essa dor de você.” Martina estava lá para dar apoio. "O que posso fazer para você?" perguntou. “Posso contar a ela meus medos, posso ser 100% honesta com ela”, explica Chrissie.
Navratilova ia na casa da amiga e ligava regularmente. Às vezes ela ligava e Evert atendia na hora, mas às vezes demorava três ou quatro dias até retornar a ligação. “Acho que, como estávamos lá uma para a outra antes, meio que sabíamos o que fazer ou não fazer, instintivamente, mesmo que fosse a primeira vez”, diz Navratilova.
No inverno de 2022, Evert estava saudável o suficiente para voltar a trabalhar como comentarista (embora com uma peruca) e, em novembro, ela se juntou a Navratilova em uma aparição pública no final da temporada WTA Finals em Fort Worth. E foi aí que Evert deu uma notícia que desfez Navratilova. “Vou fazer uma mastectomia dupla”, contou Evert, explicando haver alto risco de desenvolver câncer de mama além do ovário. Navratilova ficou tão emocionada que começou a chorar.
Navratilova ainda estava lidando com a última notícia de Evert quando ficou chocada com seu próprio diagnóstico de câncer. Na viagem a Fort Worth, Navratilova sentiu um nódulo dolorido no pescoço e fez uma biópsia. Evert recebeu mensagem de Navratilova. “Você pode me ligar o mais rápido possível? Eu preciso falar com você.” Evert verificou o telefone dela e viu que Navratilova também havia tentado ligar para ela e pressentiu notícia ruim.
O caroço dolorido de Navratilova provou ser um linfonodo cancerígeno. Como Evert, ela teve que passar por várias lumpectomias e novos exames, tendo de esperar três dias pelos resultados, com medo de que tivesse avançado para seus órgãos. O câncer de garganta era de estágio 1 altamente curável, mas a triagem de acompanhamento também revelou que ela tinha um câncer de mama em estágio inicial, não relacionado ao câncer anterior. Navratilova estava em com raiva e com medo. “Eu senti que isso realmente a irritou mais do que qualquer coisa”, diz Evert. “Ela estava brava com isso”, comentou. "Você acredita nisso!" Navratilova disse. “Está na minha garganta. E então eles encontraram algo no meu peito.”
Era bizarro as duas lutarem contra o câncer ao mesmo tempo. "Jesus. Acho que estamos levando isso a um nível totalmente novo”, disse Navratilova. E então começaram a rir. “Porque era tão irônico”, disse Evert. Mas então Navratilova admitiu que estava com medo. “Como atleta de alto nível, você acha que vai viver até os 100 anos e que pode dar um jeito em tudo”, disse Navratilova. Compartilhar esse medo foi mais fácil com ela do que com qualquer outra pessoa", acrescentou.
O câncer de Navratilova não era tão perigoso quanto o de Evert, mas o tratamento foi mais pesado: três ciclos de quimioterapia, 15 sessões de terapia de prótons em sua garganta, mais 35 tratamentos de prótons nos gânglios linfáticos do pescoço e cinco sessões de radiação convencional nos seios, feitos no hospital Memorial Sloan Kettering em Nova York.