Em setembro de 1927, os "Quatro Mosqueteiros" do tênis francês tiraram a Copa Davis das mãos norte-americanas, um feito e tanto. Teriam então de defender o título no ano seguinte, como era o regulamento de então, mas a Federação Francesa sabia que não existia um local em Paris capaz de receber a dezena de milhares de fãs que certamente correriam para a quadra. A solução era construir um estádio para assistir ao desfile de René Lacoste, Henri Cochet, Jean Borotra e Jacques Brugnon, os novos heróis nacionais.
O Campeonato Internacional, por sua vez, começou em 1925 e era dividido em duas sedes, o Racing Clube e o Stade Français, famoso e antigo clube de tênis. Além da popularidade crescente dos Mosqueteiros, o torneio vivia uma fase áurea, com o sucesso de Suzanne Lenglen e estrelas como o norte-americano Bill Tilden. E o espaço para tanto interesse era cada dia menor.
Com a final da Davis marcada para julho, o prazo para erguer um estádio era de apenas nove meses. A Prefeitura de Paris contribuiu com dinheiro e o Stade Français cedeu um terreno de três hectares, pelo prazo de 99 anos, na periferia da cidade, no bairro de Porte d`Auteuil. A única condição era batizar a quadra com o nome de um de seus mais famosos sócios, Roland Garros, jogador de rúgbi e tenista amador, mas principalmente um aviador abatido em batalha aos 30 anos, em outubro de 1918, dias antes do final da Primeira Grande Guerra.
O estádio foi erguido a tempo, com estrutura de cimento em "art deco", mas com tribunas de madeira. A inauguração foi feita num jogo feminino entre uma francesa e uma inglesa. Dois dias depois, começou o Internacional. E, em julho, a França fez a festa completa. Reteve a Davis, num domíno que se manteria até 1932.Crescimento contínuo
Ano após ano, o prestígio de Roland Garros cresceu, assim como o público. Já no final de década de 60, era evidente a necessidade de ampliações, mas a falta de recursos financeiros limitou as reformas feitas em 68, quando ele se tornou o primeiro Grand Slam aberto a amadores e profissionais.
Em 79, surgiu o já famoso "Village", uma megaestande de 2 mil metros quadrados, onde os patrocinadores oficiais do torneio expõem seus produtos e recebem visitantes ilustres e clientes. Em 80, foi erguida a Quadra 1, uma arena a apenas 50 metros da quadra central, onde novos 4.500 assentos foram somados ao complexo.
Quatro anos depois, a injeção de dinheiro foi maior e foram construídas nove quadras externas, que desocuparam um antigo campo de rúgbi. Surgiu também a famosa "Praça dos Mosqueteiros", bem no centro do complexo, onde foram erguidas as estátuas de Borotra e Lacoste, em 89. No ano seguinte, vieram as de Cochet e Brugnon.
A entrada de grandes e fiéis patrocinadores permitiu a construção da quadra Suzanne Lenglen, em 94, para 10.068 pessoas, o que levou o torneio a alcançar a marca recorde dos 390 mil espectadores em 99 e a superar a casa dos 400 mil no novo milênio.
Mais uma fase de reformas viria em 2000, com a reinauguração da quadra central. Foram demolidos alguns terraços para dar melhor arquitetura ao edifício, que agora conta com bloco de dois andares e estúdio de TV. A quadra central foi totalmente reformada e ganhou em 2008 o quarto e último anel. Cada um deles recebeu o nome dos Mosqueteiros.
No entanto, a demanda por espaço continuou. A Federação Francesa tentou negociar terrenos anexos com a Prefeitura, mas houve briga judicial e ameaça de tirar o torneio de Paris. Por fim, veio um acordo e a Philippe Chatrier recebeu o tão sonhado teto retrátil em 2020 e um novo estádio foi inaugurado, o Simone Mathieu.
Confirmando a fase de ouro do tênis francês, Henri Cochet, René Lacoste e Jean Borotra dividiram títulos e finais nos cinco primeiros anos em que o torneio foi jogado em Roland Garros. Os estrangeiros então dominaram a cena. O australiano Jack Crawford foi seguido pelo elegente alemão Gottfried von Cramm e especialmente o britânico Fred Perry, o homem que tirou a Davis da França em 33. Por fim, veio Don Budge, que em 1938 se tornaria o primeiro tenista da história a ganhar os quatro grandes torneios numa mesma temporada, criando o termo Grand Slam. Ele nunca defendeu seu título na França. Tornou-se profissional pouco antes de explodir a Segunda Guerra.
Assim que a paz voltou, o torneio abriu novamente suas portas. Em 46, deslocado no calendário e realizado após Wimbledon, os franceses comemoraram sua última alegria com Marcel Bernard, que só se inscreveu na chave de simples porque ficou sem parceria nas duplas mistas. O domínio australiano, que sempre eram vistos como tenistas de pisos rápidos, começou em 52 com o jovem Ken Rosewall (então com 18 anos e sete meses) e só foi interrompido rapidamente por Tony Trabert, último norte-americano a triunfar nos 30 anos seguintes. Seguiu-se Rod Laver, que também fecharia o Grand Slam em 62.
A década de 1960 conheceu novas potências europeias no saibro, com o italiano Nicola Pietrangeli e o espanhol Manuel Santana, embora o saque-voleio australiano tenha vencido com Roy Emerson, Fred Stolle e Tony Roche. No histórico torneio de 68, que marcou o primeiro Grand Slam aberto a amadores e profissionais, Rosewall voltou aos títulos em cima de Laver, que conseguiria a revanche no ano seguinte, quando novamente completou o Grand Slam.
Entre 70 e 73, vários profissionais, que mantinham contrato com Lamar Hunt no circuito World Championship Tennis, boicotaram o saibro e Roland Garros. Foi a chance de os europeus dominarem o Aberto francês, com o tcheco Jan Kodes, o espanhol Andrés Gimeno e o romeno Ilie Nastase. Mas o monstro sagrado ainda estava por vir. Com 18 anos, o sueco Bjorn Borg iniciou em 74 um domínio que durou até 81, período em que sofreu uma única derrota (em 76) e colecionou seis títulos.
Seu abandono do circuito permitiu o surgimento de novos heróis, como seu compatriota Mats Wilander e o tcheco Ivan Lendl. E permitiu que o jejum francês enfim terminasse em 83, com o acrobático e agressivo Yannick Noah. A década de 80 terminou com antagonismo: em 89, Michael Chang recuperou o troféu para os americanos com o recorde de maisjovem campeão da história e, no ano seguinte, o veterano Andrés Gomez surpreendeu o tênis ao bater o já fenômeno Andre Agassi.
Jim Courier e Sergi Bruguera se tornariam bicampeões nos anos 90. A Espanha marcou um feito espetacular em 94: Bruguera fez a final com Alberto Berasategui, Arantxa Sanchez ganhou no feminino e Jacobo Diaz, no juvenil. Os anos seguintes viram uma multiplicidade de diferentes estilos e campeões, com Thomas Muster, Yevgeny Kafelnikov, Carlos Moyá e enfim Agassi.
O grande nome, no entanto, a dominar o saibro foi Gustavo Kuerten, que surpreendeu o mundo ao ganhar em 97 como mero 66º do ranking e depois confirmou em 2000 e 2001. Albert Costa e Juan Carlos Ferrero estenderam a soberania espanhola, diminuída com a final totalmente argentina de 2004.
A partir daí, surgiu outro fenômeno, o também espanhol Rafael Nadal. Ele levantou quatro troféus consecutivos, entre 2005 e 2008, sofreu uma única derrota na temporada seguinte - que consagrou Roger Federer - e voltou a dominar Paris nas cinco temporadas seguintes, superando o recorde de troféus de Borg e se tornando o único tenista a ganhar nove vezes um mesmo Slam. Entre 2017 e 2022, aumentou ainda mais o seu incrível feito ao atingir a 14ª conquista.
Em 2016, Novak Djokovic enfim realizou o sonho de conquistar Paris e anotou outro feito histórico: tornou-se o primeiro profissional desde Rod Laver, em 1969, a deter simultaneamente todos os quatro troféus de Grand Slam. Em 2021, mais história: passou a ser o primeiro com ao menos dois títulos em cada Slam.
A fama de Suzanne Lenglen ajudou a erguer o estádio de Roland Garros, mas a francesa não chegou a jogar lá. Campeã do torneio na fase nacional, entre 20 e 23, ela ganhou os dois primeiros eventos da era internacional, em 25 e 26, antes de se profissionalizar e ser impedida de disputar os Grand Slam.
Helen Wills, chamada de "Poker Face" por sua seriedade, foi a sucessora no saibro e a primeira grande campeã no complexo. A francesa Simone Mathieu fez história, ao perder seis finais antes de conquistar o bi, em 38 e 39. Não por acaso, foi escolhida para arbitrar o primeiro jogo em Roland Garros no pós-Guerra, em setembro de 44.
O poderoso saque de Doris Hart - que sofreu de paralisia infantil e teve de reaprender a andar antes de conhecer o tênis -; a juventude de Maureen O´Connolly, que em 54 se tornaria a primeira mulher a ganhar todos os quatro Grand Slam; a façanha da atlética Althea Gilson, primeira negra a vencer um Grand Slam, e a versátil Darlene Hard marcaram a fase norte-americana no saibro francês nos anos 50.
A exemplo do masculino, a década 60 veria o domínio do vigoroso e agressivo tênis australiano, que triunfou oito vezes no período de 12 anos com Margaret Smith, Lesley Turner e Evonne Goolang. Além dos cinco troféus, Smith ainda teve tempo para ser mãe e se tornar a segunda mulher a fechar o Grand Slam, em 70.
A maior tenista sobre o saibro começaria sua história em Paris quatro anos depois.. Chris Evert, que chegou a ficar 125 partidas invictas sobre o piso lento, faturou o recorde absoluto de sete troféus em Paris, além de outras duas finais. Poucas tiveram espaço nesse período e a maioria aproveitou a ausência de Evert. Entre 84 e 86, ela faria alguns dos históricos duelos contra Martina Navratilova, que ganhou dois Roland Garros antes de amargar três quedas consecutivas na final.
A última delas, em 87, foi justamente para uma jovem que chegava rapidamente ao topo do ranking. A alemã Steffi Graf iniciaria ali outro enorme domínio no saibro francês. Já no ano seguinte, marcou feitos espetaculares. Além de ganhar a final por duplo 6/0 em cima de Natalia Zvereva, terminaria a temporada com um "Gold Slam", que incluiu as quatro conquistas de Grand Slam e ouro olímpico em Seul.
Graf conquistou seis vezes o Aberto francês, mas curiosamente teve também três vices históricos, o primeiro deles diante de Arantxa Sanchez, primeira espanhola a ganhar um Grand Slam, e os outros dois para a garota Monica Seles, mais jovem campeã de todos os tempos em 90, aos 16 anos, e a primeira a faturar três títulos consecutivos desde os anos 30.
A facada que interrompeu a carreira de Seles em 93, duas semanas antes de Roland Garros, permitiu que Graf e Sanchez alternassem títulos. A croata Iva Majoli surpreendeu em 97, ao bater a garota Martina Hingis na final, e Seles voltou a disputar um título no ano seguinte, derrotada por Sanchez. Graf recuperaria o troféu em 99, quando Hingis sofreu a maior vaia jamais vista num estádio de tênis. "Me sinto francesa", agradeceu Steffi, que anunciaria a aposentadoria pouco depois.
A França precisou esperar tudo isso para, 33 anos depois, rever uma campeã. Ainda que Mary Pierce tivesse nascido no Canadá e crescido nos EUA, sem falar uma palavra de francês até ir treinar em Paris, aos 16 anos. As emoções continuariam em 2001, quando Jennifer Capriati enfim ganhou Roland Garros, 11 temporadas depois de ter se transformado na mais jovem semifinalista do torneio, então com meros 14 anos.
Os últimos anos viram feitos inesperados e diferentes. As irmãs Williams decidiram o título de 2002, com vitória de Serena, e a temporada seguinte viu a primeira final completamente belga da história, com vantagem de Justine Henin e o segundo vice de Kim Clijsters. Veio então a vitória de Anastasia Myskina sobre Elena Dementieva, que marcaria a escalada russa no tênis feminino. Henin voltou a dominar o saibro com três triunfos consecutivos, encerrados com seu inesperado abandono das quadras em 2008, dando lugar a uma nova rainha: a sérvia Ana Ivanovic.
Outras campeãs inesperadas vieram a seguir. Svetlana Kuznetsova deu novo troféu à Rússia; a quase veterana Francesca Schiavone, de 29 anos, levou o título de 2010 numa final totalmente surpreendente contra a australiana Samantha Stosur; e a chinesa Na Li entrou para a história em 2011 com o primeiro grande troféu de seu país. Numa sequência inesperada de campeãs com bolas retas e menor intimidade com o saibro, os anos recentes viram também dois troféus da russa Maria Sharapova, em 2012 e 2014, tendo ainda perdido a final de 2013 para Serena, que seria bicampeã 11 anos depois e voltaria a triunfar em 2015 e 2016.
Nos últimos anos, a letã Jelena Ostapenko, de apenas 19 anos, surpreendeu a todos em 2017; a romena Simona Halep enfim ergueu seu troféu de Slam em 2018; Ashleigh Barty deu um inesperado título à Austrália no saibro; a polonesa Iga Swiatek, também de 19 anos, causou grande sensação em 2020 - tornando-se bi em 2022 - e a tcheca Barbora Krejcikova, então considerada apenas uma grande duplista, chegou ao título em 2021.