Instrução | Ciência
Ensino do tênis deve aliar teoria à prática
Por Prof. Dr. Ludgero Braga Neto
12/03/2019 às 22h20

Tive o privilégio de palestrar no 1º Workshop Internacional Brasil Open, evento paralelo ao ATP 250 que aconteceu no Ginásio do Ibirapuera. O evento contou com a brilhante presença de Daniel Orsanic, capitão da equipe argentina que foi campeã da Copa Davis em 2016.

A ideia deste evento foi concebida há quase 1 ano, juntamente com Aldo Brandão (Batata). Precisávamos de um palestrante com renome internacional, e assim chegamos ao nome do Orsanic. Muito simpático e com um excelente português, falou sobre algumas importantes diferenças entre o tênis argentino e brasileiro, além de demonstrar em quadra alguns treinos que utilizou com a equipe argentina da Copa Davis.  

A ideia central do Workshop foi a PRÁXIS.

Npedagogia, práxis é o processo pelo qual uma teoria, lição ou habilidade é executada a partir de uma experiência vivida. Desta forma, procuramos compartilhar com os participantes o conceito de que o ENSINO, para ser rico e gerar retenção, deve aliar a Teoria à Prática.

Há muito tempo insisto que o conhecimento deve ser COMPARTILHADO. Portanto, compartilho abaixo, os 10 tópicos apresentados em minha palestra, cujo tema foi “Análise Biomecânica”:

Em um primeiro momento procurei mostrar a importância do Desenvolvimento Técnico no tênis. Sabemos que o conjunto de competências técnicas é muito importante para o desempenho de um tenista. Normalmente essas competências não são medidas e avaliadas de maneira objetiva. Uma Análise Biomecânica detalhada é capaz de medir e avaliar essas competências.

Não podemos ficar restritos à técnica. O ensino moderno do tênis começa com as táticas do jogo. Desta maneira o tenista entende melhor o porquê deve desenvolver suas competências técnicas. Mostrei uma bateria de 18 avaliações táticas que dão suporte às avaliações técnicas.

A prevenção de lesões também é uma das abordagens da Análise Biomecânica. Inclusive, em casos crônicos, passa a ser o foco principal da análise, mais importante que a performance. Obviamente, uma lesão pode ter várias causas, é multifatorial. Porém, com uma técnica mais rica, mais próxima dos conceitos biomecânicos, o tenista tende a reduzir a chance de lesão.

Muitos tenistas sabem “como executar” um golpe. Esse é o conhecimento processual. Porém, tão importante quanto o conhecimento processual é o conhecimento declarativo, onde o tenista consegue “explicar como executar”. Quando isso ocorre, o tenista tem maior capacidade para CORRIGIR seus erros e REPETIR seus acertos. Por isso, é muito importante que o tenista tenha feedbacks, principalmente os visuais, onde a retenção, na maioria das vezes, é  maior.

Abaixo, um exemplo de feedback visual:

Para uma Análise Biomecânica eficiente, a filmagem deve contemplar vários ângulos. Com a utilização de drones, podemos também avaliar o tenista a partir da vista de cima (top view).

Sem dúvida, esta é a fase crítica de uma Análise Biomecânica. É aqui que percebemos a capacidade do avaliador em reunir teoria e prática (PRÁXIS). Abaixo, listarei sucintamente alguns conceitos que o avaliador deve dominar:

  1. Cada avaliador deve possuir sua própria base técnica: conjunto de parâmetros técnicos a serem avaliados, divididos em fases bem definidas. Só assim poderemos comparar o tenista avaliado com um modelo. Essa base técnica não pode ser “copiada”, deve ser “criada”. Só assim terá o “DNA” do avaliador.

  2. É muito importante levarmos em conta o “Princípio da Individualidade”. Cada tenista é único, portanto possui características ímpares. Não podemos generalizar. Ainda, cada tenista possui suas limitações físicas, emocionais e de aprendizado.

  3. Estar atento aos “mitos” criados, principalmente em redes sociais. 
    Exemplo: Rafael Nadal utiliza empunhadura “western” no forehand.  Mito: ele utiliza empunhadura “semi-western” no forehand.

  4. Evite estabelecer regras. Os treinadores, talvez com a intenção de facilitar o ensino, acabam criando regras. Em curto prazo, isso pode facilitar a aprendizagem. Porém, em médio e longo prazos, essa abordagem limitará a aprendizagem.
    Exemplo: muitos treinadores ensinam apenas um apoio de pés no forehand: alguns pedem ao aluno para bater de frente (open stance) e outros pedem para bater de lado (square stance). Na verdade existem 4 tipos de apoio, os dois citados acima, além do semi open stance e o closed stance.  Demonstrei que os tenistas de elite utilizam todos os apoios, dependendo da situação e intenção tática. Penso que esse maior detalhamento técnico, acoplado aos aspectos táticos do jogo, só vêm a enriquecer nossa função como Treinador.



  5. Os treinadores devem constantemente se atualizar. O fluxo de informações está muito mais rápido hoje em dia. Por outro lado, precisamos melhorar nossos “filtros”, entendendo quais são as fontes dessas informações. Redes sociais de instruções para tenistas estão lotadas de informações soltas, sem base teórica e sem especificidade prática. Cuidado!  
    Um exemplo de atualidade técnica que trouxe para a palestra: Qual a diferença entre o ATP Forehand e o WTA Forehand? Esse tema é o mais discutido por estudiosos da biomecânica do tênis nos últimos 6 meses. Quais as implicações? Cito apenas uma: se um treinador não souber que existem diferenças entre o forehand executado por um homem e o forehand executado por uma mulher, ele vai ensinar o mesmo forehand para ambos.

Após a conclusão do Laudo Técnico, é o momento de mostrar os resultados para o tenista, equipe técnica e pais. Procure uma sala adequada, com uma boa projeção de imagens. Isso vai impactar o tenista e ajudar a convencê-lo a realizar as intervenções necessárias.

Faça isso antes de ir para a quadra. O tenista absorverá melhor as informações ainda em repouso, com o nível de adrenalina baixo.

Seguindo esses princípios, a retenção de informações tende a ser maior.

O primeiro passo da intervenção é conscientizar o tenista que em curto prazo (uma ou duas semanas) estará sujeito a uma queda de performance. A explicação é simples: estará executando novos movimentos, recriando padrões motores. Até conseguir executar esses novos movimentos de maneira automatizada, o tenista terá que repetir muitas vezes. Alguns estudos apontam que esse numero de repetições é de aproximadamente 450 vezes.   

Outro importante conceito é realizar a intervenção em um golpe de cada vez. Se o tenista receber muitas informações, poderá entrar em processo de “crosstalk”, onde o excesso de informações pode travar o sistema.

Cada tenista responderá de uma maneira a um mesmo estímulo. Portanto, procure variar os estímulos de intervenção.

Exemplo: para treinar a pronação do antebraço, um dos mais importantes movimentos do saque, utilize uma bola de futebol americano, como mostra o vídeo abaixo:

Evite fazer “Control C + Control V” com vídeos de instruções em redes sociais. PRODUZA SEU PRÓPRIO CONHECIMENTO. Procure responder as seguintes perguntas antes de aplicar um treino:

  • Em quem vou aplicar o treino?
  • Com que intensidade vou aplicar o treino?
  • Qual a carga do treino?
  • Qual o volume do treino?
  • Qual a freqüência do treino?
  • Quais as progressões pedagógicas do treino?

Além dos cuidados citados acima, vale ressaltar a importância de seguir uma sequência pedagógica durante as intervenções. Exemplo de sequência para a intervenção de um forehand ou backhand:

  •   Executar o novo movimento sem bola;
  •   Drills com bolas “mortas”;
  •   Drills com bolas “lançadas”;
  •   Controle de ½ quadra – sem movimentação;
  •   Controle de quadra inteira – com movimentação;
  •   Jogo-treino “fechado”;
  •   Jogo-treino “aberto”;
  •   Sets;
  •   Competições Oficiais.

Esse é o momento mais esperado de uma Análise Biomecânica. Muitos jogadores buscam constantemente o aprimoramento técnico. Muitas vezes são detalhes quase imperceptíveis.

Durante a semana que precedeu o Workshop, filmei alguns tenistas que jogaram o Brasil Open. Comparei as filmagens captadas com filmagens mais antigas dos mesmos tenistas. A mudança mais evidente que encontrei foi o aumento na distância entre os pés no saque do francês Gael Monfils. Esse aumento de base auxilia na fase de “balanço” do saque, responsável por projetar o corpo do sacador para frente e para cima. Uma maior utilização dos membros inferiores auxilia na ativação dos membros superiores, potencializando a geração de velocidade na cabeça da raquete. Resultado: mais potência!

Por fim, procurei demonstrar que a Análise Biomecânica é uma importante ferramenta de avaliação. Contextualizei que o ensino do tênis, por muitas vezes, já parte de um trabalho prático, em quadra, sem uma avaliação prévia. Além disso, enfatizei a importância da reavaliação: é neste segundo momento que teremos um parâmetro mais claro acerca dos treinos executados. Surtiram efeito ou não?

Se fecharmos esse ciclo, monitorando constantemente as variáveis, com certeza, teremos melhores resultados e elevaremos o ensino do tênis a um patamar de mais respeito.

Prof. Dr. Ludgero Braga Neto é mestre e Doutor em Biomecânica do Tênis pela USP. Tenista 1ª Classe pela Federação Paulista de Tênis; é Coordenador Técnico da Academia Slice Tennis. Também é professor da disciplina Tênis na Escola de Educação Física e Esporte da USP e realiza Consultoria para clubes e academias.
Contatos pelo fone (11) 9281-2177

ludgero@usp.br


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