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Especial: Lundgren e os desafios com Federer e Safin
Por Rodrigo Nascimento
03/04/2020 às 12h30

Quem vive o tênis em qualquer nível sabe que fazer amizades neste pequeno mundo não é algo tão simples como possa parecer, ainda mais quando se convive no mais alto estágio de competição. Posso dizer que dos poucos amigos que fiz no tour, Peter Lundgren é um dos mais especiais que tenho, uma pessoa que ajudou a moldar o meu lado humano, cada vez mais necessário nestes dias turbulentos que todos nós estamos atravessando.

Para quem não é muito familiarizado com a carreira de Lundgren, hoje com 55 anos, ele como jogador foi 25º do ranking, ganhou três ATPs e foi contemporâneo de Mats Wilander e Stefan Edberg em um período da década de 1980 que a Suécia chegou a ter inacreditáveis 14 jogadores (!) no top 100. Como treinador, ele é um dos maiores que já vi, venceu dois Grand Slam: Wimbledon, em 2003, naquela histórica campanha do primeiro 'major' de Roger Federer e dois anos mais tarde ajudou Marat Safin a vencer na Austrália o seu último troféu da carreira.

A ideia de fazer esta entrevista, em que contei com a ajuda do meu amigo jornalista Renan Arthur Justi, surgiu em um bate-papo no Facebook Messenger. Entre uma pergunta e outra, tivemos a chance de relembrar diversos momentos marcantes em torneios, especialmente depois daquela gira do título de Wimbledon, que terminou em Bill, na Suíça. Bons tempos em que ficávamos vendo filmes, revíamos jogos antigos, como aquele em que o próprio Peter venceu Ivan Lendl na Califórnia (1987), momentos que sempre rendiam longas conversas sobre tênis e nossas vidas.

Compartilho com vocês a primeira parte da nossa conversa. Falamos bastante sobre o seu momento atual em busca de desenvolver novos talentos, a possibilidade de voltar a percorrer o circuito e quais aspectos técnicos ele acredita ter contribuído para a melhora no jogo de Federer, Safin, Stan Wawrinka, Marcelo Ríos e Grigor Dimitrov.

Qual é a história por trás desse desejo de se dedicar ao desenvolvimento de novos talentos na Suécia?
Peter: Quando decidi voltar para a Suécia, em Estocolmo, reencontrei muitas pessoas da Stockholm Tennis que me perguntaram se eu não gostaria de trabalhar com os melhores juvenis da cidade por duas vezes a cada semana. Recentemente, também tive o convite de outro clube de Estocolmo para executar um projeto semelhante, mas por enquanto está paralisado por conta da crise provocada pelo coronavírus. Quando as coisas melhorarem, retomaremos as ideias com certeza.

Desde que decidiu deixar o circuito, imagino que você deva recusar convites para ser técnico com alguma frequência. O que lhe faria mudar de ideia e retornar aos torneios?
Peter: Ainda faço aqui e ali algumas viagens, mas ser um técnico em tempo integral está fora de cogitação, principalmente depois que você passa 35 anos da sua vida viajando o circuito. Essa vida como 'full time' já deu pra mim, sinceramente. Por outro lado, eu talvez aceitasse o convite de viajar entre 10 a 12 semanas por ano, mas não estou procurando este tipo de trabalho. Para isso, precisaria receber o convite do jogador certo.

O que você considera mais precioso na carreira de treinador de tênis?
Peter: A melhor parte sem dúvida é ver o desenvolvimento do seu jogador e perceber que ele te escuta muito bem. Além disso, claro, ver os resultados dos treinamentos na prática por meio dos jogos e conquista de torneios.

Como você vê a relação atual entre jogadores e treinadores? Acha que a carreira de treinador tem se tornado instável?
Peter: Eu acredito que a relação entre jogadores e técnicos vai bem desde que haja uma boa química entre eles. Acho que esta relação esta cada vez mais se tornando um negócio. Os jogadores têm sua própria comitiva, então há bem menos relação pessoal e sensação de proximidade entre jogadores e treinadores. Quando eu jogava, os tenistas saiam para jantar em grandes grupos e ficávamos todos juntos na mesma mesa, independentemente se no dia seguinte a gente fosse jogar um contra o outro.

Todo treinador tem um papel especial no desenvolvimento de cada jogador, seja na parte técnica ou mental. Em poucas palavras, o que você acredita ter ajudado mais no jogo de Federer, Ríos e Safin?
Peter: Vamos lá, vamos falar de um por um. Com o Marcelo Ríos, trabalhamos demais no serviço, como ser mais agressivo e na maneira de fazê-lo pisar corretamente na formação de seu backhand, criando o contato mais cedo com a bola. No forehand, Marcelo não precisava de ajuda, sempre foi um golpe incrível. Com Federer, foi uma situação até que parecida com a de Rios. Não tive que trabalhar tanto no forehand, mas como atacar com o forehand. No que diz respeito ao backhand, saque e o voleio, claro, todos estes golpes precisavam de muita ajuda na época. Vale ressaltar também a melhora na parte física, que teve grande colaboração do preparador Pierre Paganini, que entrou no time e nos ajudou bastante. Já com Marat, o voleio foi o nosso principal foco no início do trabalho. Ele tinha alguns problemas para cobrir a rede porque simplesmente não sabia como executar isso. A melhora foi sensível, me recordo que na campanha do título do Australian Open de 2005 ele foi para a rede 85 vezes e ganhou acredito que 80% dos pontos. Outro aspecto que trabalhamos foi o 'toss' (lançamento da bola) do serviço, tinha muito “kick serve” (efeito para fazer a bola subir ao tocar no solo, mas que com isso perde velocidade) no primeiro saque, mas o segundo serviço funcionava bem. A gente também teve progressos com o forehand, mas utilizando o golpe de forma tática para atacar o lado direito dos adversários.

E o que você pode contar sobre Wawrinka e Dimitrov?
Peter: Desde os 18 anos, Grigor já tinha uma base muito boa dos golpes, então nós basicamente ficamos focados em aperfeiçoar todo o seu jogo. Somente no saque a gente teve que dar uma atenção maior e ele por sua vez teve que se esforçar mais. Com Stan, trabalhamos demais no forehand, principalmente com o objetivo de fazer que a sua bola penetrasse mais do que estava acostumado. O segundo ponto principal foi o progresso que tivemos com os voleios, ali precisamos trabalhar bastante na execução, bem como na parte da mecânica do saque. Às vezes lhe faltava usar mais as pernas (para impulsão), além disso o 'toss' dele era muito baixo às vezes.

A segunda parte deste bate-papo, bastante focada no relacionamento com Roger Federer, será publicada na terça-feira que vem. Espero que vocês tenham curtido assim como estou adorando este novo desafio de escrever para o TenisBrasil. Se você gostou, tem dúvidas ou críticas, pode me adicionar no Instagram (@rodrigobr77) e me mandar uma DM.

Natural de Santos/SP, viaja o circuito profissional como treinador há mais de duas décadas. Neste período atuou como técnico de grandes nomes do tênis mundial, como Monica Seles, Gilles Muller, Sorana Cirstea, Yoshihito Nishioka, Mirka Federer, Jesse Levine e muitos outros. Boa parte do seu conhecimento sobre a vida e o tênis foi adquirido pela convivência muito próxima com uma das lendas do esporte, Betsy McCormack, bicampeão do Australian Open e viúva de Mark McCormack, fundador da IMG. Atualmente, Rodrigo reside na Flórida, nos Estados Unidos, e oferece programas de treinamento para jogadores juvenis e profissionais, além de organizar clínicas de tênis. Ah, e ele ama o seu cachorro e parceiro de vida Gunner. Quem quiser bater um papo no Instagram: @rodrigobr77.

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