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'Do 0 ao topo': Lundgren revela formação de Federer
Por Rodrigo Nascimento
12/04/2020 às 16h43

Eu honestamente me considero um privilegiado por ter testemunhado in loco alguns momentos especiais da história do tênis. Aquela que talvez seja a lembrança mais especial envolve o período de convivência que tive com Peter Lundgren e Roger Federer. Na época, o suíço era um garoto de 20 e poucos anos, pés no chão, gozador e que tinha acabado de conhecer a futura mãe de seus quatro filhos.

Temos histórias de quando saíamos todos para jantar, na companhia também de outro vitorioso treinador, Sven Groenveld, quando tive a chance de estar com o time no box da quadra central de Wimbledon ou mesmo quando treinei a própria Mirka no momento em que ela atravessava um período ruim e teve os melhores resultados, como a terceira rodada do US Open. Posso dizer que foram tempos incríveis e de muito aprendizado para a minha vida e carreira profissional.

O que quero compartilhar com vocês agora é a parte final do bate-papo que o jornalista Renan Arthur Justi e eu tivemos com Lundgren via Facebook, o técnico que, ao lado do saudoso treinador Peter Carter - falecido em um acidente de carro, em agosto de 2002 -, contribuiu com maestria no processo de amadurecimento de Federer e o converteu de uma talentosa promessa para um tenista indiscutivelmente campeão.

Estes momentos em que ambos saíram do zero para vencer um Grand Slam a gente conta para vocês com exclusividade aqui em TenisBrasil, além de citar uma boa história com Marat Safin que culminou no título do Australian Open, o último troféu da carreira do temperamental russo.

Relembrando um pouco os anos em que treinou Federer, você pode detalhar como foi o processo de transformar um jovem talento em um campeão?

PL - É difícil dizer exatamente como construir um jogador. Você precisa começar com a técnica, afinar isso e então obviamente partir para a parte mental e trabalhar a força física. Cada pessoa amadurece de uma forma diferente, então todos esses componentes precisam se unir para você chegar ao topo. Lembre-se que Federer venceu o seu primeiro Slam com 23 anos, o que significa que nem todos são Rafael Nadal.

Algumas pessoas devem pensar que treinar Federer possa ser um dos trabalhos mais fáceis do mundo. Você pode explicar como era lidar com um tenista tão promissor como ele?

PL - Nunca é fácil trabalhar com um tenista, mas na época Roger era um jovem muito talentoso, só que preguiçoso, tinha alguns problemas para se concentrar, além de que fisicamente não estava no ponto. As coisas aconteceram rapidamente para ele porque sempre quis ser o melhor e eu vi que ele tinha potencial para atingir isso. A verdade é que ele era uma pessoa difícil de trabalhar, mas ele tem um grande coração e é um cara do bem, cresceu muito rápido e hoje é o embaixador do tênis. Tenho muito orgulho dele.

Quais são as suas principais memórias daquele histórico título de Wimbledon, em 2003? Foi uma virada na carreira de ambos, já que também foi o seu primeiro Grand Slam.

PL - Foi um momento muito especial para ambos. Eu sempre quis ganhar Wimbledon desde que comecei a jogar tênis. Fiz oitavas de final como jogador, o que não é ruim, e eu venci como treinador, algo que me deixa muito feliz. Para o Roger, este título foi o que todo o mundo estava esperando dele. A verdade é que mesmo para ele aquilo foi um alívio.

Se tivesse que escolher um dos seus dois títulos de Grand Slam para reviver, ficaria com Wimbledon, em 2003, ou Australian Open, em 2005?

PL - É impossível escolher, ambos são especiais. Com Roger, tinha um garoto talentoso, ele era um diamante a ser polido. Peter Carter e eu levamos Federer para o topo, saindo do zero para vencer Wimbledon. Foi simplesmente surreal! Eu só queria que o Peter estivesse conosco para ter vivido tudo isso.

E como foi a sua história com o Marat Safin até vencer na Austrália?

PL - Com o Marat, ele já havia sido número 1 do mundo, campeão do US Open, em 2000, quando venceu Pete Sampras, mas sofreu uma queda de rendimento e foi para 35º do ranking. Em 2004, quando a gente se conheceu e iniciamos a parceria, ele estava muito negativo sobre seu jogo e não estava bem nas partes física e mental.

Certa vez, em Roma, fui ao seu quarto entender por qual motivo ele não tinha se dedicado no treino e tinha uma atitude autodestrutiva, então eu perguntei por qual motivo ele me pagava para treiná-lo. Ele me respondeu que estava mal, que não gostava mais de jogar tênis... Eu disse a ele: "Sei que está me escutando, mas você está lutando contra si mesmo em vez de trabalhar na melhora do seu próprio jogo".

Ele compreendeu a situação, vencemos dois Masters 1000 (Paris e Madri), um ATP 500 (Pequim), fizemos semifinal na antiga Masters Cup (Houston), fechando o ano como número 4 do mundo. Na sequência, foi buscar o título do Australian Open, vencendo Federer nas semifinais.

Natural de Santos/SP, viaja o circuito profissional como treinador há mais de duas décadas. Neste período atuou como técnico de grandes nomes do tênis mundial, como Monica Seles, Gilles Muller, Sorana Cirstea, Yoshihito Nishioka, Mirka Federer, Jesse Levine e muitos outros. Boa parte do seu conhecimento sobre a vida e o tênis foi adquirido pela convivência muito próxima com uma das lendas do esporte, Betsy McCormack, bicampeão do Australian Open e viúva de Mark McCormack, fundador da IMG. Atualmente, Rodrigo reside na Flórida, nos Estados Unidos, e oferece programas de treinamento para jogadores juvenis e profissionais, além de organizar clínicas de tênis. Ah, e ele ama o seu cachorro e parceiro de vida Gunner. Quem quiser bater um papo no Instagram: @rodrigobr77.

@rodrigobr77


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