Instrução | Saúde
Desidratação, cãibras e físico
Por Gustavo Santos
07/02/2011 às 14h20

Arrisco-me a dizer que não há nada mais frustrante para um tenista do que a ocorrência de cãibras. Imagine a situação: jogo duríssimo, geralmente no terceiro set (ou no caso de nossos tenistas juvenis ou que disputam qualifying de futures, terceiro set do segundo jogo do dia, ou seja, quinto ou sexto set), o atleta com uma quebra de saque à frente, sentindo que o jogo está em suas mãos, quando de repente, sente uma contração involuntária, dolorosa, que o impossibilita de continuar o ponto.

Na maioria das vezes, este ponto perdido foi apenas o primeiro de muitos, já que, uma vez instalada, a cãibra tende a aumentar de intensidade e duração com o decorrer do tempo. Como se isso já não fosse o suficiente, as regras da ATP, que por entender que cãibras ocorrem apenas por falta de condição física, não são as mais justas. Assim, não raro, o tenista tem de entregar um game e por vezes o jogo, devido às cãibras.

Mas será isso mesmo? Será que as cãibras ocorrem apenas em indivíduos que não possuem preparo físico adequado? Gostaria de questionar alguns paradigmas em relação às causas deste fenômeno. É quase uma unanimidade as pessoas relacionarem a ocorrência da cãibra à falta de condicionamento físico do atleta. Apesar de esta ser uma das possíveis razões, não parece ser a principal. Se isto fosse verdade, estaríamos dizendo que atletas de altíssimo nível como Nicolas Almagro, James Blake, Kei Nishikori, Andy Roddick, Andy Murray, entre outros, não possuem um bom preparo físico.

Não há consenso sobre as causas da cãibra, mesmo porque se apresenta de várias formas, como nos casos de desordem metabólica (gravidez e hipotireoidismo) ou de depleção aguda de volume extracelular (transpiração excessiva, diarréia ou vômitos) e cada forma possui uma ou mais causas.  Vamos nos ater à forma que mais acomete os esportistas: a cãibra induzida pelo exercício, que pode ser relacionada à desidratação, alterações dos eletrólitos (sódio, cálcio, potássio, cloro, magnésio, etc.), depleção de substrato energético e fadiga, ou acúmulo de metabólitos nos músculos exercitados. Em última análise, quase todas as causas são, na verdade, conseqüências do desequilíbrio hidroeletrolítico, fazendo desta a maior causa da ocorrência de cãibras.

Para manter suas funções, o corpo humano precisa estabilizar sua temperatura interna dentro de uma faixa muito estreita (entre 36,6 e 37C). O organismo é extremamente eficiente nesta tarefa, porém durante a atividade física, isto se torna mais árduo, já que na contração muscular, aproximadamente 75% da energia produzida, dissipa-se sob a forma de calor podendo elevar, temporariamente, a temperatura corporal interna a 38 ou 40 graus centígrados.

Para diminuir a temperatura corporal, o organismo utiliza a sudorese (produção de suor) como um dos seus principais mecanismos. O suor em contato com o ambiente evapora-se, levando consigo grande quantidade de calor, diminuindo a temperatura corporal. Cabe aqui uma informação importante: o líquido que compõe o suor vem do plasma sanguíneo (porção não-celular do sangue), que possui grande quantidade de eletrólitos. Desse modo quando suamos, não perdemos apenas líquido, mas muitos sais minerais também. Assim, atletas com sudorese intensa se beneficiam do fato de serem mais eficientes na manutenção da temperatura interna do corpo, o que, em teoria, possibilita a continuidade do exercício por mais tempo. Por outro lado, isso pode se tornar uma desvantagem, por acarretar uma taxa de perda de líquidos e eletrólitos muito difíceis de serem repostos.

Em clima quente, alguns atletas chegam a perder de 10 a 15g de sal pelo suor, o que corresponde a quase 10% da quantidade total de sal do organismo.  Se não houver reposição adequada deste íon e do líquido perdido, o desempenho será prejudicado e o surgimento de cãibras torna-se mais provável. Esse tipo de cãibra pode ocorrer durante o exercício ou em até 18 horas após o final deste e é geralmente causado por desidratação e hiponatremia (queda na concentração sanguínea de sódio). O sódio é o principal mineral a ser reposto, já que apenas pequenas quantidades de potássio, cálcio ou magnésio são perdidas no suor. Em outras palavras, bananas ou laranjas (alimentos ricos em potássio), não acabam com as cãibras, a reposição de sódio sim.

Em média, o suor contém 920 a 1150mg de sódio por litro. Assim, um atleta que perde 5 litros de suor em um dia, perderá, entre 4,6 e 5,75g de sódio (11,5 a 14,4g de sal de cozinha). Atletas bem adaptados ao clima quente podem perder apenas metade disso. A reposição adequada de sódio durante o exercício influencia positivamente a ingestão de água, evita a diminuição do volume plasmático e reduz a produção de urina, diminuindo a desidratação.

A adição de sódio (1150mg/l) à água tem mostrado maximizar a retenção hídrica. Bebidas esportivas, por si só, podem não ser tão eficazes na reposição de sódio, pois contém menor quantidade deste eletrólito (230-575mg/l) para melhorar a palatabilidade. Uma das bebidas esportivas mais vendidas, por exemplo, possui uma versão comercial onde a quantidade de sódio é de 440mg/l e uma versão em pó, para atletas, que contém 1400mg de sódio por litro. A ingestão de cápsulas de sal durante o exercício também pode ajudar a prevenir este quadro.

A taxa de perda de líquido pelo suor depende, obviamente, da temperatura ambiente e pode variar entre 100 ml/h (ambiente frio) a 3 l/h (ambiente quente). Taxas acima de 1,5 l/h trazem desidratação significante, pois é muito difícil repor essa quantidade de líquido durante o exercício, já que o esvaziamento gástrico possui um limite máximo de aproximadamente 1,3 l/h.

A perda de peso corpóreo durante atividade física pode chegar a 8%. Estudos mostram que a perda de 2% do peso corpóreo é suficiente para causar desidratação capaz de resultar em alguma perda de rendimento físico. Assim, em um indivíduo de 70 kg, a perda de 1,4 kg durante a atividade física já seria suficiente para queda no rendimento físico. Mas mesmo a perda de apenas 1% do peso corporal já causa impacto em uma série de funções cardiovasculares e termorregulatórias.

A desidratação causa, também, hipertermia (aumento da temperatura corporal). A reposição hídrica adequada está associada à menor temperatura corporal, menor freqüência cardíaca e menor percepção subjetiva de esforço. Portanto, a desidratação leva à fadiga prematura por aumentar o estresse termorregulatório (tentativa do corpo em manter a temperatura interna constante), à sobrecarga cardíaca, por alterar negativamente o metabolismo muscular (acelera a taxa de depleção de glicogênio), além de alterar funções do Sistema Nervoso Central (reduz motivação e desempenho).

Para a grande maioria das pessoas, uma reposição hídrica de 1 l/h é suficiente para evitar que a desidratação traga prejuízos ao desempenho físico. É importante salientar que a hidratação não deve ser uma preocupação apenas durante a atividade física. Cuidados como não fazer atividade física intensa e/ou de longa duração e evitar bebidas e suplementos que contenham substâncias diuréticas, como a cafeína (café, refrigerantes a base de cola, etc.), já no dia anterior à competição, ajudam a manter uma hidratação adequada.

A concentração de eletrólitos da bebida consumida constitui peça chave no processo de reidratação, sendo o volume de líquido absorvido pelo organismo, diretamente proporcional à quantidade de sódio ingerida. Dada a continuidade da perda de líquidos pela urina mesmo após o exercício e em situação de desidratação, é importante assegurar que o volume de líquido ingerido seja maior do que o volume de líquido perdido pelo suor durante a atividade física. Porém, apenas ingerir uma quantidade de líquido maior do que aquela perdida pelo suor não é o suficiente para restabelecer a hidratação, já que a ingestão de grande volume de água (líquido sem quantidade significativa de eletrólitos) leva à hemodiluição, caracterizada por queda na concentração de eletrólitos plasmáticos e na osmolaridade (unidade usada para expressar a concentração de uma solução), resultando em maior diurese (produção de urina).

Resumindo, a desidratação, a possível queda de rendimento e o surgimento de cãibras podem ser evitados com a ingestão de 1 litro de água (juntamente com a reposição de eletrólitos) por hora. Sob circunstâncias em que a desidratação não pode ser evitada, como no caso de indivíduos que suam intensamente, o objetivo deve ser diminuir a magnitude da desidratação, ingerindo a maior quantidade de fluidos possível, dentro do tolerável, tentando sempre diminuir a taxa de sudorese (aumentando o tempo e número de pausas entre os pontos, ficando à sombra sempre que possível e diminuindo a duração e intensidade do aquecimento antes da partida).

Deixo claro que essas recomendações são feitas para atletas e em especial para aqueles que possuem sudorese intensa, já que a ingestão regular excessiva de sódio está fortemente relacionada ao desenvolvimento de hipertensão arterial. Deve-se sempre procurar um nutricionista para que essa reposição seja feita de forma correta e individualizada.

Referências:

GUYTON, A.C.; HALL, J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 10ª ed. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 2002.

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http://vbpete.com/vb/Cramping-SodiumSolution.pdf, E. R. EICHNER. Cramping in Summer Sports: The Sodium Solution. Gatorade Sport Science Institute. Acessado em 23/12/10.

Gustavo Santos é preparador físico; Especialista em Bioquímica; Fisiologia; Treinamento e Nutrição Desportiva; pelo Laboratório de Bioquímica do Exercício (LABEX) da UNICAMP e Mestre em Biologia Funcional e Molecular na área de Fisiologia; pelo Departamento de Anatomia; Biologia Celular e Fisiologia e Biofísica do Instituto de Biologia da UNICAMP.
Trabalha com preparação física de tenistas há 6 anos; tendo trabalhado com tenistas número um do Brasil nas categorias 16 e 18 anos masculinos além do tenista Júlio Silva.

gubasantos@hotmail.com


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