Das lembranças que trago de minha infância no tênis, esta talvez seja a mais marcante e significativa.
Era um casal muito popular e querido no clube onde me iniciei no tênis, menino ainda. Sr. João e D. Yolanda. Já idosos, freqüentavam as quadras diariamente. Ela alta, um tipo nórdico, cabelos todos brancos. Ele mais baixo, atarracado, bonachão, sempre sorridente. Jogavam um contra o outro e era divertido ver como discutiam por um ponto e ao final saírem abraçados e de mão dadas. O Sr. João, em que pese as limitações físicas da idade, era um estudioso do tênis. Era comum vê-lo, feliz e solícito, orientando algum iniciante ou cercado de crianças que, atentas, ouviam seus ensinamentos.
Desde minha infância, foram meus maiores incentivadores e torcedores. Em todos os meus jogos no clube eles estavam presentes. Ao entrar na quadra, de imediato olhava para um cantinho da arquibancada lotada e lá estavam eles. Sorridentes, torcendo e via em seus rostos a alegria quando vencia um ponto, um game. Podia ouvir as expressões "força", "não desanime", "bem jogado" e outras palavras de incentivo que me ajudaram a ganhar muitos jogos.
Certa vez, juvenil ainda, estava no paredão treinando. De repente, percebi que o Sr. João me observava. Parei de treinar e fui cumprimentá-lo. Ele me disse: "Admirava seu treino. Seu jogo está ótimo. Mas... não me leve a mal... posso dizer-lhe uma coisa?", perguntou. "Claro", respondi.
"Acredito", disse-me ele, "que se você adiantar um pouco mais o ponto de contato com a bola, tanto na direita como na esquerda, seus golpes ficarão mais potentes e sua bola ficará mais rápida e profunda!". Fiquei surpreso, sem palavras! E ele, afastando-se, com um sorriso bondoso, que era sua característica, ainda falou: "Experimente!" Ao me ver só, pensei com o orgulho próprio de um adolescente imaturo: "O que este senhor idoso, principiante, pode ensinar a mim, o melhor juvenil do clube e um dos melhores do Brasil?".
Como sempre fazia, após o paredão fui à quadra complementar o treinamento. Só por curiosidade, fiz o que o Sr. João tinha dito. E para meu espanto, tive que admitir que ele tinha toda razão.
À noite, no jantar, comentei o caso com meu pai. Disse que achava incrível alguém, pouco mais que um principiante, tivesse me dado uma orientação técnica e que, para minha surpresa, tinha que admitir que ele estava correto. Não disse, mas pensei: "Logo a mim, um quase profissional"!
Meu pai esperou que eu terminasse, olhou-me nos olhos e disse. "Preste atenção! Eu já sabia disso tudo! O Sr. João, educado e sensato, veio consultar-me a respeito da observação que faria a você! Eu não só concordei como o incentivei a fazê-lo! Claro, se eu o fizesse, você acataria de imediato, pelo fato de eu ser seu pai e um professor respeitado. Mas queria saber se você teria a humildade de aceitar a orientação de um senhor idoso, um principiante no tênis, como você diz. Pois o Sr. João, em que pese suas limitações, conhece a técnica do tênis mais do que muitos que se julgam grandes jogadores." Abaixei a cabeça. Sabia que a observação era para mim.
Ele continuou. "Mais do que o conhecimento técnico, ele tem a sabedoria que só se adquire com a experiência que a vida nos proporciona pela vivência. A grande lição que você deve tirar deste episódio é que no tênis, como na vida, os ensinamentos aparecem de onde menos esperamos. Muitas vezes uma pessoa simples, humilde, a quem não damos importância, tem muito a nos ensinar. Desde como melhorar nosso jogo de tênis até nos orientando para uma nova conduta de vida. Pena que nossa falta de humildade não nos deixa ver isto."
Daí em diante, tornou-se comum após meus treinamentos reunir-me com o Sr. João e D. Yolanda e, com atenção, eu ouvia seus conselhos de como ser um tenista melhor e, principalmente, uma pessoa melhor.
Hoje, passados muito anos, raramente volto ao clube de minha infância e juventude. Outro dia o fiz. Um dia frio e chuvoso, o clube silencioso e deserto. Voltei à quadra principal onde fiz grandes jogos para grandes plateias. Fecho os olhos e na minha lembrança os sons, as alegrias das tardes dos grandes jogos realizados retornam. E os vejo. O Sr. João e D. Yolanda. Sentados, juntinhos, no local de sempre, no cantinho da arquibancada, sorrindo para mim. Posso até ouvi-los: "Força", "não desanime", "bem jogado".
Abro os olhos. A quadra está vazia. A arquibancada deserta. Meu pai, o Sr. João e D. Yolanda há muito se foram. Mas a grande lição numa tarde do passado, no paredão do clube e na conversa com meu pai, ficou para sempre na minha lembrança.
Aprendi que devemos ter a humildade de reconhecer que alguém, seja quem for, sempre poderá nos ensinar algo valioso que pode mudar nossas vidas.