Instrução | Melhore seu jogo
Como Sharapova se tornou uma campeã
Por Gabe Jaramillo
01/04/2014 às 12h55

Maria Sharapova chegou a nossa academia da Flórida com seu pai, Yuri, quando tinha nove anos, deixando o restante da família na Rússia. Desde muito jovem, Maria sempre teve a condução de uma campeã: caminhava decidida, muita ética no trabalho, extrema disciplina, sede por aprender mais e objetivos muito altos. A família fez muitos sacrifícios e era difícil para a menina ficar longe da mãe. Não tinha muito dinheiro e Yuri pegava todo tipo de trabalho apenas para sobreviver.

Na quadra, Maria era uma "pequena profissional" e levava o treinamento seriamente. Em seus primeiros anos nos EUA, trabalhava em grupo com meninas de sua idade e também muito talentosas. Entre elas, estavam Jelena Jankovic, Vera Zvonareva e Tatiana Golovin. Sua rotina diária inclui uma hora e meia de drills, 90 minutos de jogo, uma hora de treino físico. Depois desse treinamento coletivo, ela ainda recebia uma "ajuda especial" de mais 60 minutos, ou seja, aulas adicionais que dávamos a estudantes talentosos.

Nesse período, Yuri trabalhava muito e não via a filha durante os treinos. Quando passou a fazer turnos à noite, pode observar mais. Maria é ambidestra e, aos 11 anos, Yuri decidiu que ela deveria jogar como canhota. A garota então passou a fazer tudo com a mão esquerda: saque, golps, voleios. Foi assim por seis meses. O treinador de seu grupo era Percy Melcy e ele não tinha a mesma opinião. Convenceu Yuri de que ela deveria jogar como destra, mas aproveitar o treinamento que havia feito como canhota para seu backhand de duas mãos.

Aos 11 anos, Maria era muito pequena e franzina. Não tinha força nos golpes, mas era muito esperta nos pontos. A melhor competidora que já tinha visto. Possuía o ingrediente principal de um campeão: jogava sem medo. Se via a oportunidade, ia para a bola mesmo que fosse match-point.

Quando atingiu os 13, mostrava grande potencial e passamos a personalizar seu trabalho, ao mesmo tempo em que Yuri ficava mais envolvido com o tênis. Era muito exigente com ela, suas adversárias e seus treinadores, mas sempre de forma educada. Eu tinha de me reunir com ele todos os dias antes do treinamento para organizar o dia. Planejávamos cada detalhe: a duração, a prática, o piso, o treinador, a parceira, os objetivos daquele dia e até o número da quadra. Maria fazia muita repetição, a maioria de seu treino era bater em bolas soltas e Yuri esperava que o parceiro fosse verdadeira máquina e ficava muito chateado quando se errava uma única bola. A mesma cobrança existia para Maria, a quem não era permitido errar. Ela foi ficando robusta e pouco a pouco a velocidade de seus golpes aumentou incrivelmente.

Nesse período, Yuri começou a levá-la para duas semanas de trabalho na Califórnia, com o técnico Robert Landsdorf. Maria era muito fiel a nossa academia e no começo foi difícil para ela. Quando voltava dessas viagens, nunca sabia explicar o que havia feito. Passei então a ligar diretamente para Robert para entender o que estavam fazendo e assim coordenamos o trabalho. Maria ficou mais à vontade. Me lembro do primeiro torneio profissional que ela disputou: Robert sentou de um lado da arquibancada, nós de outro. Ela não sabia para onde olhar durante toda a partida.

Yuri teve parte fundamental no seu desenvolvimento, já que tinha ótima relação com a filha. Deu a ela estrutura e um ambiente sadio. Eu trabalhava com ele de forma muito proativa. Desde o começo, a meta sempre foi transformar Maria na número 1 do mundo. Ele tinha seus valores e soubemos entender isso. Sempre deixava que os técnicos fizessem as mudanças que queria. Decidiu fazer Maria trabalhar com vários treinadores para tirar o máximo de nós. Aprendi muito com ele, principalmente na preparação antes dos jogos. Náo aceitava erros, sua jogadora tinha que ser uma máquina. Praticava golpes de base e devolução de saque. Maria aprendeu com o pai como lutar e com a mãe, como ser elegante e doce.

A preparação para os jogos era 90% feita com garotos. Ela detestava perder das outras meninas. Seu parceiro tinha de ter grande qualidade, ser forte e consistente, rápido e persistente. Se não atendessem esses príncípios, não eram recrutados novamente. Yuri também não permitia que Maria discutisse um ponto. Deveria se concentrar para o ponto seguinte.

Durante esses treinos, desenvolveu a rotina que permanece até hoje. Quando vence um ponto, fecha o punho e diz 'come on'. Após cada ponto, dá as costas para a oponente, toma seu tempo e aí se volta para o ponto seguinte, buscando retomar o batimento cardíaco certo e, principalmente, jogar um ponto por vez. Seu estilo é agressivo de fundo de quadra, gosta de ditar os pontos. O backhand é o melhor golpe e tenta colocar pressão no serviço adversário com as devoluções.

Pessoalmente trabalhei muito anos na devolução de saque, cerca de 30 minutos por dia. A ideia era fazer a adversária recuar e aí Maria poder tomar conta da quadra. Também trabalhava em atacar a movimentação da adversária, com a ideia de fazê-la bater na bola fora da posição ideal.

Ela é uma grande competidora. Uma das minhas histórias favoritas sobre ela foi num torneio interno que fazíamos, que era obrigatório para todos os alunos. Agassi, Courier, Sampras, todos participavam. Mas não havia meninas de 12 anos para Maria jogar, então deixei que jogasse com os garotos. Deu 6/0 e 6/0 num deles, sem permitir um único break-point. Destruiu o garoto e precisei de dois anos de trabalho para recolocá-lo nos trilhos.

Maria costumava chegar sempre 30 minutos antes do treinamento. Ela estava à frente do seu tempo. A forma com que encarava cada treino era muito especial, tudo estava pronto, nunca faltava uma toalha, um grip, nada. Uma vez eu pedi a ela para treinar um golpe específico para derrotar a número 1 do ranking juvenil e Maria, ainda muito jovem, me respondeu que não estava treinando para derrotar juvenis. Ela queria ganhar de Serena Williams, que já era a número 1 naquele tempo. E isso acabaria por acontecer anos depois, em 2004, quando enfrentou Serena na final de Wimbledon. Aproveitou sua chance e espantou o mundo.

Maria hoje é uma superstar, reunindo a parte sexy de Anna Kournikova com a elegância de Mary Pierce. Tem incrível presença, é maestra com o microfone durante as entrevistas. Isso ela aprendeu desde criança. Levávamos aos encontros de treinadores, que fazia todo tipo de pergunta. Ela aprendeu a melhor resposta, a olhar para a câmera. Numa dessas seções, perguntaram a ela que seria a "nova Kournikova" e ela respondeu: "Quem é Kournikova?" Anos mais tarde, já no circuito, veio a mesma pergunta e a resposta: "Não, sou a primeira Sharapova".

Apesar de famosa e milionária - é a atleta profissional mais bem remunerada da história -, continua trabalhando para melhorar seus golpes, recuperar a liderança do ranking. É uma estrela e uma campeã.

Vamos dar uma olhada nos drills (exercícios de repetição) favoritos de Maria:

1. Consistência
Objetivos
A. Devolver todas as bolas com bomo ritmo e profundidade, sem cometer erros
B. Trabalhar na consistência e colocação de bola em pontos estratégicos
C. Concentração e disciplina
D. Resistência aeróbica e muscular
E. Confiança
Execução
A. 15 minutos no meio da quadra
B. 15 minutos de forehands cruzados
C. 15 minut0s de backhands cruzados




2. Aceleração do backhand

Objetivos
A. Aumentar velocidade da cabeça da raquete no backhand de duas mãos
B. Fazer desse golpe uma arma
C. Usar mão esquerda como o foco principal durante o golpe
Execução
A. Usar apenas a mão esquerda para executar o golpe
B. Combinar 10 bolas com a mão esqueda com 10 bolas com as duas mãos, ponto ênfase na mão esquerda
C. Bater da linha de fundo no aquecimento como se fosse um canhoto




3. Usando o backhand como uma arma

Objetivos
A. Obter vantagem da força do golpe de backhand
B. Manter bola profunda com força e controle
Execução
A. Drill com bolas lançadas
B. Bater dois backhands profundos e o terceiro na paralela
C. Fazer a combinação por 15 minutos
D. Maria ficava no lado do backhand durante toda a prática




4. Devolução de saque

Objetivo
A. Devolver com agressividade, "devolução ganha campeonato"
B. Devolva antes e rápido
C. Tire o tempo do oponente
D. Contraataque desde a primeira bola
E. Devolva forte e profundo, levando o oponente para trás
F. Deixa o adversáriona defensiva
Execução
A. Técnico saca da linha de saque
B. Aluno devolve pouco atrás da linha de base
C. Primeiro saque no forehand, depois no backhand
D. Termine com saque em qualquer direção
E. Jogador bate cada devolucao no meio da quadra, fundo e pesado.

Gabe Jaramillo treinou 8 jogadores que chegaram ao número 1 e 26 que figuraram no top 10, como Agassi, Courier, Sampras, Seles, Sharapova, Nishikori, Haas, Lisicki e André Sá, indo a todos os Grand Slam. Trabalhou com Nick Bolletieri de 1985 a 2009. Atualmente é diretor do Club Med Academies, na Flórida. Desenvolveu o Método de Treinamento Periodizado.
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